quarta-feira, 16 de março de 2016

Disfarçado de ministro, Lula assume seu terceiro mandato - e foge de Sergio Moro

O ex-presidente decidiu assumir a Casa Civil do governo Dilma. Com isso, ganha foro privilegiado e escapa da Operação Lava Jato

Para manter o projeto de poder do partido, Dilma simbolicamente passa a faixa ao antecessor. Oficialmente, o ex-presidente-ministro terá como grande meta sufocar o impeachment
Por: Laryssa Borges e Marcela Mattos, de Brasília

6/03/2016 às 11:38 - Atualizado em 16/03/2016 às 15:11



Dilma e Lula: para não cair, ela entrega o governo ao antecessor(VEJA.com/Divulgação)
Alvo de uma denúncia por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica e na mira da Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu nesta quarta-feira assumir o Ministério da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. A manobra garante ao petista foro privilegiado - e o livra das mãos do juiz federal Sergio Moro, que conduz as ações da Lava Jato em Curitiba. Já Dilma, que há muito não governa, apenas se contorce em manobras para permanecer no cargo, entrega ao antecessor o pouco poder que lhe restava. A nomeação de Lula, oficialmente tratada pelo governo como uma estratégia para evitar o impeachment, coloca o petista no mais importante ministério do governo - pasta que o PT transformou em uma usina de escândalos desde que chegou ao poder. Pouco mais de cinco anos após tomar posse pela primeira vez, Dilma inverte a propalada 'faxina' a que deu início quando assumiu a Presidência: em vez de expulsar do governo alguém pilhado em malfeitos, a presidente abre as portas do Planalto a quem foge da Justiça.

Depois de dias de negociação, o martelo sobre a questão foi batido durante o café da manhã no Palácio do Planalto. A informação foi confirmada por parlamentares petistas pouco após a reunião, na Câmara dos Deputados. O Palácio do Planalto se pronunciou cerca de duas horas depois, por meio de nota, confirmando a alteração e anunciando ainda o peemedebista Mauro Lopes na Secretaria de Aviação Civil. Embora a presidente tenha simbolicamente entregado a faixa ao seu padrinho político, o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), afirmou que a nomeação não reduzirá o poder da presidente Dilma Rousseff. "Lula vai ajudar a impedir o impeachment", disse. Segundo o petista, a decisão não transformará a presidente em uma "rainha da Inglaterra". Ou seja, alguém cujo poder é meramente simbólico. Pelo Twitter, o deputado José Guimarães (PT-CE) afirmou: "Ministro Wagner, no dia de seu aniversário, mostra grandeza e desprendimento ao deixar a Casa Civil! Lula novo ministro da pasta!". Jaques Wagner, o ministro aniversariante que acaba de perder o emprego, foi alocado na chefia de gabinete de Dilma. O presidente do PT, Rui Falcão, anunciou também pelas redes sociais que a posse de Lula será na próxima terça-feira.






A avaliação do governo é que a nomeação de Lula para a Casa Civil não estanca a crise política, já que, segundo um aliado do Planalto,"ainda é preciso administrar o problema Mercadante". O atual titular da Educação foi flagrado em gravações tentando comprar o silêncio do senador Delcídio do Amaral, como revelou VEJA na terça-feira. Nos bastidores, calcula-se que a ida de Lula para a Casa Civil deve provocar um rearranjo ministerial, a começar justamente pela Educação. Lula e Mercadante sempre foram desafetos e o ex-presidente já teria pedido a cabeça do colega de partido, um dos maiores aliados da presidente Dilma no governo. Com a saída de Mercadante, Lula ficaria ainda com uma pasta de orçamento polpudo nas mãos para dar início à sua articulação política.

Na noite de quarta-feira, parlamentares especulavam que a Educação pudesse ser oferecida justamente ao PMDB do Senado, Casa que será o fiel da balança no processo de impeachment. "90% da atual crise está localizada no Congresso. Agora, Dilma contratou Pep Guardiola, o melhor técnico do mundo, para cuidar de seus jogadores", afirma o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), vice-líder do governo na Câmara.

Nos bastidores, governistas dão como certo que Lula embarca na Casa Civil já com as linhas gerais para montar uma entourage de aliados. Uma das hipóteses defendidas pelo petista seria abrigar o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles de volta na equipe econômica. Desde que protagonizou o embate pela queda do ex-chefe da Fazenda Joaquim Levy, Lula articulava pelo retorno de Meirelles. Com poderes de um terceiro mandato travestido de ministério, as pressões serão cada vez mais evidentes. "Você acha que o Lula, assumindo o comando do time do governo, não vai querer montar a sua própria equipe?", confidenciou um aliado. "Não é simplesmente a vinda para a articulação política. O presidente vem mexer no governo, dar uma sacudida", disse o deputado petista Wadih Damous (PT-RJ), um dos mais ferrenhos defensores do Planalto no Congresso.

A estratégia de blindagem de Lula ao conquistar foro privilegiado assumindo um ministério foi inaugurada pelo próprio ex-presidente petista, que em 2004 fez uma manobra para proteger o mesmo Meirelles de ser investigado por suspeitas de fraude em contratos para ocultar o crescimento exponencial do patrimônio. Na época, para evitar que o então chefe da autoridade monetária pudesse ter seus sigilos quebrados por ordem da justiça, Lula editou uma medida provisória conferindo status de ministro ao cargo de presidente do Banco Central e levou o caso para o Supremo Tribunal Federal. No STF, o episódio envolvendo Meirelles, suspeito de crime contra a ordem tributária, acabou arquivado.

Nas conversas que teve antes de aceitar assumir a Casa Civil, Lula defendeu ainda nomes de seu interesse para, se não assumirem cargos oficiais no governo, pelo menos orbitarem uma composição extraoficial de consultores. Um desses nomes seria o ex-presidente do Supremo Nelson Jobim. Atualmente, Jobim já atua como o mentor da estratégia de defesa das empreiteiras enroladas na Operação Lava Jato e, com essa função, ele seria mais útil do que, pelo menos oficialmente, se assumisse um cargo de primeiro escalão na administração dilmista. Com Lula sendo ele próprio um dos alvos principais das apurações do petrolão, Jobim atuaria mais do que nunca na linha de frente no "controle de danos" na Lava Jato.

O ministério assumido por Lula articula o funcionamento interno do governo e os interesses do Planalto no Congresso. Caberá ao ex-presidente, que costuma indicar ministros a Dilma Rousseff, referendar ou não nomeações a diretorias de estatais e a cargos no segundo e terceiro escalões do governo. A liberação de emendas parlamentares, decisiva em votações de interesse da Presidência no Congresso, e a negociação delas com os parlamentares serão outras das atribuições de Lula. O ex-presidente também deverá acompanhar o andamento de grandes obras e projetos do governo, como a usina de Belo Monte e o Minha Casa Minha Vida. (Veja) 

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