Transporte público
Sem a debandada de passageiros dos últimos 21 anos, tarifa do ônibus seria de R$ 1,90
Índice de passageiros por quilômetro rodado caiu de 3,10 para 1,80 de 1994 para 2015 em Porto Alegre
por André Mags
Não fosse o gradual abandono do transporte público de Porto Alegre, andar de ônibus na cidade seria bem mais barato, hoje. Caso o IPK, que é o índice de passageiros por quilômetro rodado (item essencial utilizado no atual formato de cálculo da passagem de ônibus em Porto Alegre), tivesse se mantido nos 3,10 de 1994, hoje a tarifa técnica seria de R$ 1,9018 — e não de R$ 3,2691, calculada pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
No entanto, a debandada dos usuários reduziu o IPK para 1,80. Mas a culpa não é do passageiro. Seduzido pelas facilidades para adquirir automóveis ou afugentado pela má qualidade dos ônibus da Capital — cuja frota sequer tem o ar-condicionado como item obrigatório —, o passageiro buscou o melhor custo-benefício. E não foi só o carro o substituto, como mostra a multiplicação de motocicletas no país.
Os dados, divulgados pela EPTC em seu estudo do aumento da tarifa de 2015, sugerem um cenário que remete a um verdadeiro círculo vicioso: cai a qualidade do transporte público e o acesso ao carro é facilitado, os passageiros abandonam os ônibus, com menos usuários, sobe o valor da tarifa, os coletivos ficam ainda menos atrativos, aumenta a debandada, e assim por diante.
— A gente vem aumentando o volume de serviço. Passamos de 1,4 mil para 1,7 mil veículos em cinco anos, e o número de passageiros vem caindo. Isso desequilibra o sistema tarifário, é um processo perverso que a gente tem — afirma o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari.
Entre as causas da queda está o que Cappellari considera um excesso de não-pagantes de passagem. Irregularidades também têm sido combatidas. Em 2014, houve auditorias em 2.293 cartões TRI suspeitos de mau uso. Do total, 771 foram cassados, ou seja, 34% dos cartões investigados, e seus titulares perderam os benefícios.
— Tenho fé que a gente possa reverter essa queda continuada de passageiros com a licitação dos ônibus e buscar uma redução na questão das gratuidades. Hoje, a cada três passageiros, um não paga. Isso tem um reflexo muito forte sobre o modelo tarifário — reforça Cappellari.
Metrô vai ajudar pouco o transporte público na Capital
O passageiro não sabe para onde vão as linhas que chegam na parada, falta limpeza nos ônibus, falta conforto, falta pontualidade. Enfim, a prefeitura deveria "levar mais a sério" a mobilidade urbana para recuperar os usuários perdidos. Essas conclusões são da arquiteta e urbanista Ana Rosa Cé, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS, mestre em desenho urbano em Oxford e doutoranda em Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
— As paradas de ônibus de Porto Alegre são telheiros de galinheiros de fundo de quintal. Não há um mobiliário urbano, você vai até uma parada de ônibus e não sabe para onde ele vai, não tem um painel informativo. É um sistema muito ineficiente, que deveria ser adequado, limpo, pontual. Realmente, Porto Alegre não está evoluindo nisso — argumenta a arquiteta.
Ana lamenta que as tecnologias hoje em uso em vários países não são utilizadas em Porto Alegre. Contra a poluição, por exemplo, com a qual os coletivos da cidade contribuem de forma "visível", ressalta. Para ela, é preciso investir em ônibus híbridos (que são elétricos e usam combustível) para preservar o meio ambiente.
Outro questionamento que a professora da PUCRS faz é sobre o metrô, que não vai resolver o problema do transporte público da cidade porque é "muito específico". O sistema atenderá somente a Zona Norte, onde há grande demanda, mas ela lembra que a Zona Leste tem alta densidade populacional e a Zona Sul vive uma expansão:
— O metrô será uma alternativa para entrar e sair da cidade. Para a mobilidade interna, pouco vai ajudar.
Fim do bonde foi um erro
Na análise da arquiteta, um erro do passado foi ter acabado com o bonde. Em tempos de volta a esse tipo de transporte nas grandes cidades, no formato contemporâneo do VLT, o chamado veículo leve sobre trilhos (também conhecido como "tram" em outros países), Porto Alegre poderia pensar nessa alternativa.
Ainda melhor seria evitar incentivos ao uso do carro, como garagens com várias vagas para carros — ela cita exemplo de seis lugares para um só apartamento —, redução de impostos e transporte intermunicipal ineficiente. O abandono do veículo particular pelo transporte coletivo poderia mudar a vida nas cidades, devolvendo-a às pessoas:
— Essa maneira de alavancar a economia criou um problema urbano ao injetar carros na cidade. Se criou um status, o que importa é ter um carro, e não uma casa ou um estilo de vida. A cidade tem que ser mais humana.
Atualmente, a passagem custa R$ 2,95. Na próxima quinta-feira, o Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu) apresentará a sua opinião sobre o cálculo da tarifa de 2015, sugerido em R$ 3,2691 pela EPTC. Depois, caberá ao prefeito José Fortunati definir o valor, arredondando-o. O presidente do Comtu, Jaires Maciel, aposta em passagem a R$ 3,25 este ano, arredondamento para facilitar o troco.
O que mostra o estudo da EPTC sobre a tarifa
— Em 1994, 26,4 milhões de passageiros embarcaram por mês nos ônibus da Capital
— Atualmente, são 17,2 milhões de passageiros mensais
— A rodagem da frota aumentou, no mesmo período, de 8,5 milhões de quilômetros para 9,5 milhões de quilômetros
— Em 1994, a frota era de 1.433 ônibus em Porto Alegre. Hoje, é de 1.697
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