terça-feira, 26 de julho de 2016

Semiaberto origina 27% das prisões da Delegacia de Capturas do RS


Apenados aproveitam direito de ir trabalhar para cometer novos crimes.
Fiscalização é compartilhada com Polícia Civil e outros órgãos, diz Susepe.

Fábio Almeida
Da RBS TV
série regime sempre aberto (Foto: Reprodução/G1 RS)
Entre o número total de pessoas presas pela Delegacia de Capturas do Rio Grande do Sul, 27% são apenados do regime semiaberto que, muitas vezes, aproveitam o direito de sair para trabalhar para cometer novos crimes. Com a falta de fiscalização, muitos presos que saem para trabalhar conseguem ir livremente para a rua, mesmo quando são monitorados com tornozeleiras eletrônicas.
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) informou não ter obrigação de fiscalizar presos do regime semiaberto, já que o entendimento é que eles estão a um passo da liberdade. Para o delegado da Delegacia de Capturas, Arthur Raldi, que convive diariamente com a obrigação de prender pessoas que já deveriam estar presas, a posição do órgão estadual é equivocada.
A partir desta terça-feira (25), o G1 RS, a RBS TV e os demais veículos do Grupo RBS divulgam a série de reportagens 'Regime Sempre Aberto', elaborada em conjunto, abordando o sistema considerado falido por várias autoridades no assunto.
"Esses presos são colocados em uma liberdade que deveria ser muito mais assistida do que é. E muitas vezes eles acabam utilizando desse regime semiaberto para ter um álibi para o cometimento de novos crimes. Então ele fogem cometendo crimes e depois, quando a polícia vai investigar, eles acabam utilizando como estratégia de defesa a hipótese de que estavam trabalhando. Só que as vezes, eles não estão trabalhando e alegam isso", afirma o delegado.
Preso não comparece ao trabalho
Lanchonete onde preso do semiaberto deveria trabalhar, mas não comparece em Porto Alegre (Foto: Fábio Almeida/RBS TV)Lanchonete onde preso do semiaberto deveria trabalhar, mas não comparece (Foto: Fábio Almeida/RBS TV)

A reportagem da RBS TV acompanhou uma saída de um detento de 21 anos da Fundação Patronato Lima Drummond, albergue para apenados do semiaberto localizado no bairro Teresópolis, na Zona Sul da capital gaúcha. O jovem, que cumpre pena por roubo de veículo, tem a permissão de sair para trabalhar e pega dois ônibus até a Zona Norte da cidade.

Após descer na região onde trabalha, ele desapareceu entre os blocos do bairro Rubem Berta. O emprego seria das 15h às 22h em uma lanchonete distante do ponto onde ele desceu. O estabelecimento estava fechado, e permanecia assim cerca de duas horas depois. No terceiro dia, à noite, o local estava aberto, mas o preso não estava lá.
Por telefone, a atendente do bar disse que ele retornaria em breve. "Ele só foi ao mercado, ele volta daqui a pouco", disse. Pouco tempo depois, era possível ouvir ao fundo a funcionária avisando que alguém ligou perguntando, por ele. "Ligaram atrás do...". Cerca de 15 minutos depois, ele apareceu, aparentemente desconfiado.
Cinco dias depois, por volta das 19h30, a reportagem retornou à lanchonete com uma câmera escondida. Por cerca de duas horas, foi possível observar que o apenado não estava no local onde deveria trabalhar, de acordo com a Susepe.
O órgão diz que todos os documentos sobre o emprego do jovem estão em dia, mesmo ele não estando no local de trabalho nos dias e horários previstos. A carta de emprego diz que o apenado trabalha das 15h às 22h, de terças a domingos – dias e horários em que a reportagem visitou a lanchonete. Entretanto, sem saber que estava sendo gravada, a própria atendente informou que o local não abre à tarde.
Movimento pede fim do regime
A advogada Andréa Schneider é coordenadora do movimento #PAZ, que luta pelo fim do regime semiaberto. Ela acredita que apenados como o jovem que deveria trabalhar na lanchonete aproveitam para cometer novos crimes. O motivo, para ela, é a falta de fiscalização.

"Presos que saem durante o dia pra trabalhar, sem qualquer tipo de controle e fiscalização e se utilizam desse tempo para o cometimento de roubos, latrocínios, homicídios, crimes graves na nossa comunidade, que acabam sendo protegidos pelo sistema semiaberto."
Andréa também aponta um alto número de fugas do semiaberto. "Seja nesse período que eles têm para trabalhar e não voltam, seja nas saídas temporárias, que é mais um benefício que o sistema semiaberto traz".
Falhas da tornozeleira
Apenado mostra como faz para bloquear sinal de tornozeleira eletrônica (Foto: Reprodução/RBS TV)Apenado mostra como faz para bloquear sinal de tornozeleira eletrônica (Foto: Fábio Almeida/RBS TV)

Uma tentativa de controle do semiaberto foi o uso tornozeleira eletrônica. Como não há albergues para receber os 7.022 apenados do regime, a ideia era controlar eletronicamente 5 mil. A alternativa, no entanto, esbarrou na falta de estrutura do órgão.

Desde a implantação do sistema, em 2012, até agora se conseguiu monitorar ao mesmo tempo apenas 1.250 presos, pois falta orçamento para comprar o aparelho, que custa R$ 260 por apenado a cada mês, e servidores para fazer o monitoramento. Além disso, detentos usam papel alumínio para burlar a fiscalização.

"Latinha de cerveja, caixa de leite, coisas de metal, que possam interromper o sinal", explica outro detento, mostrando para a reportagem como usar os materiais para cortar a comunicação entre a tornozeleira e a central de monitoramento. "Já fui longe", se gaba.
A estratégia não é segredo algum para quem é monitorado pelo equipamento. No início desse ano, a Brigada Militar prendeu Ronaldo Brum da Silveira, com a tornozeleira coberta com papel alumínio. Ele fazia escolta armada para o criminoso João Carlos da Silveira Trindade, o Colete – conhecido por sempre andar com seguranças e um comboio de criminosos.
Por isso, a Vara de Execuções Criminais da capital tem restrições ao uso do aparelho. O juiz Sidnei Brzuska acredita que a tornozeleira só é eficaz para quem já abandonou o crime e não precisa de um "controle efetivo".
"Muitos presos precisam dessa contenção e, portanto, ela não funciona para todos os casos. O fato é que hoje nós não temos nem as casas de semiaberto e nem tornozeleiras eletrônicas para todo mundo", lamenta o magistrado.
Contrapontos
Por meio de nota, a Susepe informou que é exceção ocorrer o bloqueio intencional do monitorado, e que é possível identificar esse artifício. Sobre fiscalização de trabalho externo, o órgão diz que nem sempre é atribuído só à superintendência, e que em alguns municípios a responsabilidade é compartilhada com a Brigada Militar, Guarda Municipal e Policia Civil.

Em relação à falta de espaços no semiaberto, o governo disse que já estão previstas as construções de seis unidades com 152 vagas cada uma, além da recuperação de 532 vagas.
Projeto de lei
Nesta quarta-feira (27), o Jornal do Almoço mostra que um projeto de lei tenta acabar com o regime semiaberto no Brasil.

série regime sempre aberto (Foto: Reprodução/G1 RS)Rio Grande do Sul contabiliza mais de 67 mil fugas desde 1999 (Foto: Reprodução/G1 RS)

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