ZH acompanhou empresa contratada para limpar equipamentos de drenagem em Porto Alegre e comprovou que serviços informados não foram feitos e acompanhamento da prefeitura é deficiente
Às 9h14min de 23 de fevereiro, com pás e picaretas, três homens começavam a limpar bueiros na Rua Barão de Teffé, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. A limpeza de bocas de lobo e de outros equipamentos de drenagem (EDs), instalados nas vias para captar água da chuva e reduzir alagamentos, é um serviço de rotina para empresas contratadas pelo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP). Naquela rua, empregados de uma dessas, a JD Construções, fizeram a limpeza de 13 equipamentos.
Dois meses depois, ingressou no sistema do DEP o documento que atesta o trabalho executado e embasa a cobrança. Na folha de medição de serviços foi registrada a limpeza de 41 EDs na Barão de Teffé. Bem mais do que os 13 que Zero Hora viu os funcionários da JD limparem. E também superior aos 14 que o cadastro geral do DEP informa existirem naquela rua.
A conta que não fecha é resultado de uma prática que tem feito dinheiro público escoar para pagar serviços inexistentes. O ágio, documentado por Zero Hora ao observar a equipe da JD Construções naquela manhã, reforça uma suspeita espraiada dentro do próprio departamento: a de que cobranças são superfaturadas e o DEP, sem controlar a execução de serviços, paga.
Durante seis meses de investigação, ZH apurou que há descontrole na fiscalização. Além de acompanhar os serviços nas ruas, a reportagem cruzou informações do cadastro geral da prefeitura — que registra quantos EDs há em cada rua — com dados de pagamentos feitos pelo DEP à JD Construções.
Foi possível verificar que a conta apresentada pela empresa para o município todos os meses traz dados superfaturados, que são aprovados pelo gestor do contrato e pagos integralmente pelo poder público. ZH analisou planilhas de cobrança da JD de 2013, 2014, 2015 e do primeiro trimestre de 2016. A partir delas, selecionou aleatoriamente 31 ruas com dados suspeitos. Em todas foi constatada cobrança superfaturada.
Servidores constrangidos com superfaturamento
Considerando o que foi pago a mais somente pelo serviço de limpeza de EDs, ZH constatou ágio de 18% nessa amostragem de ruas. Foram cobrados 4.111 equipamentos de drenagem que não existem. Se colocados lado a lado, esses 4 mil bueiros preencheriam uma distância de cerca de quatro quilômetros — o equivalente ao percurso entre a Usina do Gasômetro e o Estádio Beira-Rio, pela Avenida Edvaldo Pereira Paiva. Pelo contrato de limpeza de EDs, a JD recebeu R$ 5,5 milhões entre 2011 e maio deste ano, conforme o Portal Transparência da prefeitura. Aplicado o percentual de ágio de 18% sobre esse total, pode-se ter desvio de R$ 990 mil. O valor bancaria a frequência de 182 crianças em escolas de educação infantil durante um ano, por exemplo.
Mais do que este valor, o que deve ser levado em conta é a relação da prefeitura com esta empresa. O montante recebido em contratos com o município desde 2011 foi de R$ 31,7 milhões, segundo dados do site do Tribunal de Contas do Estado.
Confira a investigação completa:
O contrato da JD para a limpeza de bueiros se encerrou em 31 de maio. Apesar de ter feito, ao longo de cinco anos, todas as renovações permitidas por lei, nova licitação não foi preparada a tempo. Conforme o DEP, o contrato está sendo aditado por mais seis meses até que nova licitação seja concluída.
As desconfianças em torno de superfaturamento em cobranças chegaram a ZH a partir do próprio DEP. O cenário de desvio de recursos causa constrangimento a servidores, que constatam cobrança com ágio, mas calam por temer represálias. Ao mergulhar nessa verificação, conferindo o trabalho de empresas contratadas pelo DEP, a reportagem esbarrou em casos que revelam outra faceta da falta de controle: a má qualidade de serviços pagos. São situações que envolvem, por exemplo, trabalhos da Construtora Minosso e da Cootravipa.
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