sexta-feira, 3 de junho de 2016

Quantas jaguatiricas existem na Amazônia?

BLOG DO PLANETA

A jaguatirica é o animal carnívoro mais abundante no Brasil. Um estudo estimou, pela primeira vez, a concentração da espécie na Amazônia nacional. E encontrou números muito mais baixos do que o esperado

RAFAEL CISCATI

É difícil encontrar uma jaguatirica na floresta. Esses felinos esguios, de hábitos noturnos, costumam fugir dos olhos dos pesquisadores. “Algumas vezes, o bicho está lá e você nem percebe”, diz o biólogoDaniel Gomes. Daniel estuda carnívoros desde 2009. Já pesquisou os hábitos desses animais no Cerrado, na Mata Atlântica e em algumas regiões da África. Há cinco anos, dedica-se aos carnívoros amazônicos. A jaguatirica é o mais abundante deles. Esse felino de pelagem rajada se espalha por toda a América: “Há jaguatiricas até no sul do Texas”. No Brasil, a população varia conforme a localidade. Ainda que não conste em listas de espécies ameaçadas, a jaguatirica sofre com o desaparecimento e a fragmentação do Cerrado e da Mata Atlântica. A Amazônia, supõem os biólogos, é seu último e melhor refúgio: “Na Amazônia, a jaguatirica é considerada um animal seguro”, diz Daniel. Trabalhos feitos ao longo dos anos 1980 e 1990 sugeriam que a floresta era a terra desejada por todas as jaguatiricas – os números indicam que esses animais são afeitos a áreas próximas do Equador, com chuvas abundantes. Faltavam dados, no entanto, que sustentassem essa crença. Ninguém jamais tentaracontar quantos desses felinos existiam na Amazônia brasileira. Daniel topou o desafio.


Ao longo de três anos, entre 2013 e 2015, Daniel e uma equipe de pesquisadores do Instituto Mamirauá – uma organização conservacionista localizada às margens do Rio Solimões – monitoraram a movimentação de jaguatiricas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, uma faixa de mais de 2.000 hectares de terra a 600 quilômetros de distância de Manaus. As conclusões desses estudos foram publicadas há algumas semanas na revista científica Plos One. Trazem uma notícia boa – ao longo dos três anos de observação, a população de jaguatiricas na reserva variou pouco. Sinal bom, de que a população é estável e está protegida. O estudo trouxe também uma surpresa – há, nessa região da Amazônia Central, menos jaguatiricas do que se esperava.


Pesquisas semelhantes feitas no passado, na Amazônia fora do Brasil, sugeriam a existência de mais de 80 animais a cada 100 quilômetros quadrados de floresta. Era um número coerente com as expectativas de que grandes populações de felinos viviam próximas do Equador. Os números coletados pela equipe de Daniel são muito mais tímidos. Sustentam que na região central da Amazônia brasileira há 25 animais a cada 100 quilômetros quadrados.


Daniel afirma que essa queda nos números não é, necessariamente, motivo para preocupação. Os estudos mais recentes de monitoramento de populações de animais usam técnicas estatísticas mais avançadas. As primeiras estimativas de populações de jaguatiricas não contavam com tanto refinamento técnico, o que ajuda a explicar tamanha discrepância: “Em parte a questão é metodológica”, diz o pesquisador. “Nós usamos modelos matemáticos mais modernos.”
O biólogo Daniel Gomes instala uma das armadilhas fotográficas usadas no estudo. Ele foi o primeiro a pesquisar a concentração de jaguatiricas na Amazônia brasileira (Foto: Instituto Mamirauá/Divulgação )

Os novos dados também não assustam porque sugerem que a população de jaguatiricas pode variar muito entre uma região e outra da Amazônia. Os mais de 80 animais a cada 100 quilômetros quadrados foram observados em uma região da floresta no Peru. Na reserva vizinha àquela onde Daniel trabalhava, dez anos de observação constataram a presença de uma única jaguatirica desgarrada: “Por isso, nós evitamos fazer extrapolações para outras áreas da floresta. Os números que encontramos valem para áreas de terra firme”. A reserva vizinha, sem jaguatiricas, é uma área de várzea, onde as terras permanecem alagadas pela maior parte do ano.


O estudo de Daniel é importante porque informações como essasajudam a desenhar estratégias de preservação para as espécies. Tão importante quanto saber em quais biomas existem jaguatiricas, é saber em que regiões há maiores concentrações de animais. E acompanhar as variações dessas concentrações ao longo dos anos: “O resultado desses novos números, para a conservação, é interessante”, diz Daniel. “Se você tem a expectativa de encontrar mais bichos do que realmente existem, pode acabar relaxando nos seus esforços para protegê-los.”


Estudar os animais na Amazônia é tarefa difícil. Não apenas pelo caráter arredio de algumas espécies. O deslocamento pela mata fechada, como a da reserva Amanã, exige disposição e força física dos pesquisadores. Observar as jaguatiricas na Amazônia forçou Daniel a enfrentar dez horas de caminhadas diárias para instalar as armadilhas fotográficas usadas no monitoramento. Além de mais quatro horas de barco mata adentro.O equipamento usado pelos biólogos é caro: “O investimento financeiro inicial para um trabalho assim é alto”, diz Daniel. E explica, em parte, por que nos faltam conhecimentos sobre essas espécies da floresta: “Existe uma lacuna de conhecimento sobre a Amazônia. A jaguatirica é o carnívoro mais abundante da floresta. E, mesmo assim, sabemos quase nada sobre ela.”

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