A mãe, que nasceu Andressa, teve o bebê na terça-feira, no Hospital Fêmina
Helena Freitas, 26 anos, e Anderson Cunha, 21, se conheceram durante uma festa no inverno de 2013. Entre sorrisos e olhares, o jovem tomou a iniciativa e resolveu pagar uma bebida para a morena vaidosa de cabelos longos. Depois de uma madrugada de conversa, trocaram telefones. Após vários encontros, a relação, que no início parecia amizade, evoluiu.
Os dois começaram a namorar no Natal do mesmo ano. Em 2014, o casal resolveu morar junto. A estudante estava com o curso de Letras na Faculdade Porto-Alegrense (Fapa) trancado no terceiro semestre, e o rapaz era atendente em uma lanchonete. A rotina ia bem, até que um pequeno deslize mudou o destino dos jovens. Após muito nervosismo, suspeita e um teste de farmácia, veio a certeza:
Anderson estava grávido.
Assista ao vídeo:
Acontece que Anderson nasceu Andressa e, aos 15 anos, assumiu sua identidade masculina.
Helena, por sua vez, nasceu homem. Depois de ter diversas relações homossexuais e se travestir, assumiu a identidade transgênero, aos 19 anos.
– Eu sempre quis ter filho. Mas nunca imaginei que seria fruto de uma relação própria. Quando começamos a namorar, vi que essa possibilidade era viável – recorda Helena.
Anderson conta que ser transgênero e estar esperando um filho gerou nas pessoas duas reações, principalmente: curiosidade e preconceito.
– Muitos amigos me perguntaram como aquilo tinha acontecido, e eu sempre tinha que explicar como era a minha namorada e como era a nossa relação. Uma vez, no trem, um senhor indagou: “como uma machorra pode engravidar?”. Apesar de tudo, valeu a pena.
Durante a gravidez, Anderson afirma que se sentiu pai e mãe do bebê e que o processo não lhe provocou estranheza:
– Foi natural porque eu já tinha visto uma amiga minha, que também é trans, grávida.
O bebê nasceu na última terça-feira, no Hospital Fêmina, em Porto Alegre. Com mais de três quilos, 50 centímetros, cabelos escuros e olhos claros, recebeu o nome de Gregório – nome dado por Helena em homenagem ao poeta barroco Gregório de Matos. O casal destacou o tratamento dado pela equipe médica, que mostrou naturalidade e respeito com a situação.
– Fui muito bem recebida. No início, achei que não me deixariam assistir ao parto do meu filho, porque no dia a dia sempre temos que explicar o que somos, como somos e como nos relacionamos. No hospital, não precisou nada disso. Consegui ver tudo de perto. Foi emocionante – diz Helena.
Passado o êxtase do nascimento, a única dificuldade foi o registro do filho. Helena não conseguiu registrar Gregório, pois sua carteira de nome social não foi considerada um documento válido.
– Temos a identidade social para não passar por nenhum constrangimento. É com ela que vamos a um atendimento médico ou a uma entrevista de emprego. No cartório, o rapaz me disse que não poderia fazer o registro com ela, e que eu precisaria da minha certidão de nascimento com nome civil – diz Helena.
De acordo com a advogada Luisa Helena Stern, que atua com direitos de transexuais e travestis, não é possível colocar o nome social no registro do bebê. Ele é um nome de tratamento e não substitui o nome registrado em documentos oficiais. No Rio Grande do Sul, os processos judiciais para troca de nome demoram de dois a quatro meses. Helena afirma que não vai entrar na Justiça para tentar mudar de nome – por isso, vai fazer o registro de Gregório com o nome da certidão de nascimento.
O pai quer tirar licença-maternidade
Anderson explica como vai funcionar a família:
– Eu gerei o Gregório, mas sou o pai. A mãe é a Helena. Vamos explicar isso para ele quando crescer.
Enquanto isso, Anderson está cumprindo o papel de mãe. Amamenta o bebê de hora em hora e vai entrar com o pedido de licença-maternidade na Cootravipa, onde trabalha.
Helena conta que, neste momento, não se sente muito mãe, pois Gregório ainda prefere o colo de Anderson. A jovem, que trabalha com telemarketing, pretende retomar os estudos no futuro:
– Quero ser professora de literatura. Mesmo que não ganhe muito bem, tenho de dar o exemplo ao meu filho.
Respeito aos nomes sociais
Um dos pontos que chamaram a atenção foi o acolhimento da equipe do Hospital Fêmina ao casal. O Grupo Hospitalar Conceição, do qual o Fêmina faz parte, tem o selo pró-equidade de gênero e conta com uma coordenadoria de Direitos Humanos para lidar com essas questões.
– A comissão existe desde 2008 com um conjunto de ações que tem como objetivo tratar da questão de gênero no trabalho. Fazemos palestras e treinamentos com os mais de 9,5 mil funcionários para melhor atender nossos pacientes. Desde 2011, travestis são colocados em quartos femininos, e o nome social vai no prontuário – diz a coordenadora Carla Baptista.
– Nosso funcionários são capacitados para acolher bem, seja qual for o gênero. Com novas constituições do conceito de família, a sociedade tem de estar preparada, e o hospital também – diz a assessora da diretoria-técnica Silvana Flores.
Caso raro, segundo pesquisadoras
A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Berenice Bento, que pesquisa questões transgênero e transexuais, se mostrou surpresa e animada com o acontecimento:
– É uma novidade maravilhosa. Mostra como o ser humano pode explorar a potencialidade do corpo. O fato do transhomem negociar com sua parceira para gerar uma vida é genial. O caso demonstra as possibilidades plurais do amor.
A professora Jane Felipe, da Faculdade de Educação da UFRGS, também comemorou:
– No Brasil, um caso como esse é muito raro. É muito legal porque é outra perspectiva de família. Um borramento de fronteiras no conceito de paternidade e maternidade.
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