Folha Politica
O promotor de Barra do Ribeiro (RS), Daniel Indrusiak, pediu à Justiça a prisão preventiva do líder do Movimento dos Sem-Terra (MST) João Pedro Stedile, acusado de participar da organização da depredação de um viveiro de mudas e um laboratório da Aracruz Celulose, por cerca de 1.500 mulheres da Via Campesina. A invasão completa dois anos hoje. O juiz Jonatas de Oliveira Pimentel ainda não se manifestou sobre o pedido.
Indrusiak está convencido de que há uma estratégia de Stedile para frustrar o processo, porque a Justiça não consegue notificá-lo para que apresente sua defesa desde abril de 2006, quando aceitou a denúncia. Segundo o promotor, o líder do MST nunca está em seus endereços conhecidos nem compareceu a uma audiência marcada por edital em maio passado. "Ele tem o direito de se defender, mas deve fazer isso na Justiça", disse. "Como dificulta a citação, há condições para pedir a prisão preventiva", explicou, ressalvando que isso não corresponde a um julgamento de culpa na depredação, apenas a submissão de Stedile ao processo.
No Dia Internacional da Mulher em 2006, mulheres ligadas à Via Campesina saíram de ônibus de diferentes lugares do Rio Grande do Sul até a Aracruz. Lá renderam motoristas e vigias, entraram na área de expedição e num laboratório e destruíram 3 milhões de mudas de eucaliptos e equipamentos. O prejuízo foi calculado em US$ 700 mil.
Em Porto Alegre, onde participava de conferência sobre reforma agrária, Stedile deu entrevistas saudando as mulheres por chamarem a atenção da sociedade para os problemas causados pela monocultura do eucalipto. Depois disse que não poderia ser condenado por expressar sua opinião num país em que há liberdade de expressão. Depois da investigação policial, Indrusiak denunciou 37 pessoas como líderes ou organizadores da depredação. Dois anos depois, a Justiça ainda não conseguiu ouvir Stedile e outros oito acusados.
O processo pode se arrastar e alguns crimes podem prescrever. Só depois da apresentação da defesa prévia de todos os réus é que começam os depoimentos das testemunhas de acusação e defesa, que são muitas e, em geral, de difícil localização. "Não tenho como dar prazo para o julgamento, mas imagino, por alto, que demorará ao menos uns dois anos", admitiu o juiz Pimentel.
Para tentar acelerar o trabalho, o processo foi dividido. Desde o ano passado estão fora do processo principal Maria Rodrigues e Maria Leonor Batista, de paradeiro desconhecido. Em fevereiro, Indrusiak pediu a passagem de mais sete acusados para o processo secundário. Além de Stedile, não foram localizados Manuela Bailosa, procurada em Mato Grosso do Sul e Bahia, e Oracélia Chaves, procurada no Rio Grande do Sul. Loiva Rubenich morreu em outubro de 2006. Outros três moram no exterior. Da Indonésia, a polícia avisou à Justiça que não localizou Henry Saragyh. A República Dominicana e a Suíça ainda não responderam às cartas que pediam o interrogatório de Juana Ferrer de Sanchez e Corinne Chantal Dobler. Já as autoridades espanholas conseguiram ouvir o britânico Paul Nicholson e enviaram as respostas, que foram anexadas ao inquérito.
No segundo aniversário do ataque, a Aracruz preferiu guardar silêncio. Anteriormente, diretores já haviam deixado claro que a empresa vai pedir reparação de danos às pessoas que forem condenadas pela Justiça.
MARCO A invasão da Aracruz é considerada um marco para a Via Campesina. Daquele dia em diante, os projetos de plantação de 400 mil hectares de eucaliptos para abastecer futuras fábricas de celulose provocam polêmicas no Rio Grande do Sul. Movimentos de pequenos agricultores, sem-terra e ambientalistas condenam o que chamam de "deserto verde da monocultura de eucaliptos" e defendem o uso das terras para a reforma agrária.
O governo gaúcho, prefeitos, ruralistas e industriais defendem os projetos, alegando que poderão tirar a metade sul do Estado da estagnação econômica. Para o frei Sérgio Gorgen, ex-deputado estadual pelo PT e uma espécie de porta-voz da Via Campesina, as mulheres que participaram da invasão da Aracruz merecem uma estátua por terem mostrado o problema da monocultura à sociedade. "Infelizmente o poder público está totalmente curvado ao capital''', lamenta, citando a mobilização da bancada federal pela redução da faixa de fronteira para facilitar a aquisição de terras pela sueco-finlandesa Stora Enso.
A própria Via Campesina trata de manter vivo o tema com protestos periódicos. Depois da depredação da Aracruz, voltou à carga invadindo quatro plantações de eucaliptos de diferentes empresas por algumas horas em março do ano passado e destruindo quatro hectares da plantação da Stora Enso na Fazenda Tarumã, na terça-feira. "Ameaças como as que temos assistido representam um retrocesso, principalmente no momento em que governo e empresários buscam superar obstáculos ao desenvolvimento sustentável do país", argumentou em nota divulgada ontem a Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). Para a entidade, ações como a destruição do viveiro da Aracruz em 2006 constituem uma "atitude criminosa de agressão e desrespeito aos direitos constitucionais".
Nenhum comentário:
Postar um comentário