No Brasil, ele poderia estar preso e condenado a 17 anos de prisão por estelionato, coação e corrupção de testemunha. Mas, em Lisboa, para onde fugiu há quatro anos, o ex-vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre Adelino D'Assunção Nobre de Melo Vera Cruz Pinto, 52 anos, não corre esse risco. Protegido por regras diplomáticas em sua pátria, goza do prazeres que o dinheiro propicia a um bon vivant na Europa.
ZH localizou o foragido em Portugal e conta como é a vida dele por lá.
A DOCE VIDA DE UM FORAGIDO NA EUROPA
ZH localiza em Portugal o ex-vice-cônsul Adelino Pinto, acusado de ter dado um golpe de R$ 2,5 milhões na Arquidiocese de Porto Alegre.
No Brasil, ele poderia estar preso e condenado a 17 anos de prisão por estelionato, coação e corrupção de testemunha.
Mas, em Lisboa, para onde fugiu há quatro anos, o ex-vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre Adelino D'Assunção Nobre de Melo Vera Cruz Pinto, 52 anos, não corre esse risco. Protegido por regras diplomáticas em sua pátria, goza do prazeres que o dinheiro propicia a um bon vivant na Europa.
Sem um pingo de constrangimento de ser reconhecido, mesmo com nome e fotografia na lista vermelha de procurados pela Interpol, Adelino, demitido por justa causa após o desvio de R$ 2,5 milhões da Arquidiocese da Igreja Católica em Porto Alegre, "bate ponto" todas as tardes, perto das 16h, no tradicional Café Nicola, há mais de dois séculos um ícone da cultura lusitana e uma das principais atrações turísticas no centro da capital portuguesa.
Foragido, Adelino Pinto figura na lista de procurados pela polícia internacional (Interpol) - Foto Reprodução
O ex-vice-cônsul ocupa uma mesa no meio do salão, próxima da estátua do poeta arcadista Manuel du Bocage, cliente ilustre do Nicola nos remotos anos de 1790. Adelino bebe suco e água mineral e navega na internet pelo celular. Permanece ali por uma hora. Tem vezes em que aparece com uma loira cinquentona, e os dois ficam para jantar ou ouvir fado.
O café exala charme histórico e um certo ar de liberdade. Está localizado em frente à praça em homenagem a Dom Pedro IV, herói que salvou os portugueses da tirania do irmão. No Brasil, o personagem é conhecido como Dom Pedro I, aquele que gritou Independência ou Morte. Foi neste cenário que Zero Hora localizou o fugitivo da Justiça gaúcha às 17h40min do sábado, 7 de março. Desconfiado, nos primeiros momentos corria os olhos a todo instante na direção da porta do Café Nicola. Temia uma armadilha. Depois, descontraiu. Até sorriu quando lembrou de uma namorada que abandonou em Porto Alegre.
Foi neste cenário que Zero Hora localizou o fugitivo da justiça gaúcha às 17h40min do sábado, 7 de março.
Desconfiado, nos primeiros momentos, corria os olhos a todo instante na direção da porta do Café Nicola. Temia uma armadilha. Depois, descontraiu. Até sorriu quando lembrou de uma namorada que abandonou em Porto Alegre.
ZH conversou com o ex-cônsul português no Café Nicola, um dos mais tradicionais, no centro de Lisboa. Foto José Luis Costa
Amor e romances de cabeceira
Adelino costuma se sentar a uma mesa no meio do salão, próxima da estátua do poeta arcadista Manuel du Bocage. Foto: José Luis Costa
Adelino chegou ao Café Nicola vestindo roupas de grifes hispânicas – calça jeans da estilista venezuelana Carolina Herrera e camisa social do costureiro espanhol Pedro del Hierro.
— Sempre usei roupas de marca. Já tive 150 camisas sociais e 350 pares de meias, todas bordadas com as iniciais AP (Adelino Pinto) – gabou-se.
Grande parte do figurino ele perdeu – centenas de camisas e de gravatas, 18 ternos e 15 pares de sapatos novos – quando escapou, às pressas, de Porto Alegre só com a roupa do corpo. As vestes ficaram em um apartamento de três quartos na Rua Miguel Tostes, bairro Moinhos de Vento, onde viveu por quatro meses. Tinha pago R$ 25 mil de aluguel adiantado por um ano, mas não com o seu dinheiro.
O apartamento em Porto Alegre
Adelino não esconde o gosto pelo que é caro e por frequentar ambientes refinados. Além do Nicola, é freguês da pastelaria Garrett, no badalado balneário de Cascais, e cliente do El Corte Inglês, um megashopping de origem espanhola chamado pelos lisboetas de armazém, especializado em artigos de luxo.
No ano passado, o ex-vice-cônsul era todo sorrisos ao lado de uma loira no camarote do torneio internacional de tênis, em Estoril, competição da Associação de Tenistas Profissionais.
Adelino conta que nunca mais saiu do país. Não tem carro no nome dele e diz usar "transporte público, "porque a linha de metrô é muito boa". É difícil acreditar nele, porque só é visto andando de táxi. No caso dos trens, é a pura verdade.
Adelino perdeu o emprego, mas não a pose. Quando era assessor especial do protocolo do governo português passava dias inteiros na sala VIP do aeroporto de Lisboa, recepcionando autoridades estrangeiras.
Dali, por várias vezes partiu em viagens oficiais pelos quatro cantos da Europa. Mas, agora, sabe que, se botar os pés além da fronteira, será preso e extraditado para o Brasil.
Mesmo sem ter o que fazer, segue o hábito de zanzar pelas áreas de embarque. Meses atrás vibrava, assistindo a um jogo do Benfica em uma cafeteria.
— Como uma pessoa vive assim, todo esse tempo, sem trabalhar? Só pode ter muito dinheiro – comenta um conhecido, ex-funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Adelino jura que não ficou com um centavo sequer dos R$ 2,5 milhões da arquidiocese. Alega também ser uma vítima e que o dinheiro foi parar na conta de Teresa Falcão e Cunha, uma misteriosa mulher que ninguém sabe quem é, diretora de uma ONG da Bélgica que nem ele sabe se existe.
O ex-vice-cônsul diz sobreviver de bicos e morar de favor em uma peça. Não declara imposto de renda desde 2011, quando foi demitido por justa causa e, possivelmente, não aplicou a bolada em instituições financeiras oficiais. Entre 2013 e 2014, movimentou apenas o equivalente a R$ 24 mil em dois bancos.
O dinheiro da Igreja Católica pode ter ido parar nos cassinos portugueses, como o Estoril. Foto: José Luis Costa
Embora negue, Adelino é fascinado por jogatina, e é possível que parte do dinheiro dos padres gaúchos rodopiou por roletas ou se embaralhou em carteados nos suntuosos cassinos de Lisboa e de Estoril, onde veículos Ferrari e Mercedes congestionam os estacionamentos. Os euros vão parar no bolso do império de Stanley Ho, um magnata do jogo de Macau, ex-colônia portuguesa na Ásia. No apartamento do ex-vice-cônsul, em Porto Alegre, a polícia encontrou 280 bilhetes de Megasena, Lotomania, Loteria Federal e de jogo do bicho.
A gênese do golpe
Adelino é considerado a ovelha desgarrada da família. Um tio, já falecido, foi testemunha de acusação contra ele em um processo judicial. Um primo, professor universitário, não pode nem ouvir falar em seu nome. Procurado por telefone por ZH, o professor cortou o assunto de imediato e não atendeu mais aos chamados.
Natural de Moçambique, Adelino é o quarto de uma família de sete filhos de uma dona de casa e de um bancário que migraram para Portugal, em 1977, fugindo da guerra civil. A família se instalou em um modesto apartamento na Rua Dom João de Castro, em Almada, uma comunidade dormitório na Grande Lisboa, na margem oposta do Rio Tejo.
Ali, vivem parentes do ex-vice-cônsul até hoje. É a moradia de Adelino registrada nos documentos da Justiça brasileira, mas ele raramente aparece lá.
— Sabemos pouco dele. É uma pessoa distante – garantiu um dos irmãos.
No térreo do prédio funciona o acanhado restaurante O Chico, frequentado esporadicamente pela família. Mas Adelino nunca pisou lá, um lucal humilde demais para o nível do ex-vice-cônsul.
— Ele é narcisista – completa o irmão.
Adelino tem outros dois endereços, mas vizinhos não lembram de vê-lo. Um deles fica na Rua João da Silva Vitoriano, em Póvoa de Santa Iria, também na periferia da Capital, onde vivem os dois filhos dele e a ex-companheira Maria da Anunciação Cabral Figueiredo. A mulher não atendeu ZH. Por telefone, identificou-se como Maria do Carmo. Disse que Maria Anunciação era a irmã dela e morava na França havia anos. Não é o que parece. Anunciação foi nomeada inspetora de jogos do Instituto do Turismo de Portugal, conforme o Diário da República de 3 de junho de 2014.
No cadastro do Ministério das Finanças, Adelino consta como morador de uma pensão no terceiro andar da Rua Ivens, na região do Chiado, centro de Lisboa. No último piso do velho prédio, possivelmente construído há mais de 200 anos, chove intimações para o ex-vice-cônsul. Todas são devolvidas, porque ninguém o conhece.
O ex-vice-cônsul consta como morador de uma pensão no terceiro andar da Rua Ivens, na região do Chiado, centro de Lisboa I
Adelino tem ainda uma propriedade de férias, em uma área de terra de 2,4 mil metros quadrados, em Penalva do Castelo, localidade rural perto de Viseu, no norte do país. Em 2009, quando já era processado pelo golpe na ex-noiva de Cascais, ele transferiu a posse do imóvel para Maria Anunciação, mãe de seus filhos. Sobre a família, é curto e grosso:
— Não falo.
O ex-vice-cônsul demonstra ansiedade em aparecer, ser uma figura pública conhecida. Em setembro foi flagrado por fotógrafos e cinegrafistas abraçado a António Costa. Era uma comemoração do atual presidente da Câmara de Lisboa (similar a prefeito), escolhido líder do Partido Socialista, representante da sigla nas eleições deste ano para primeiro-ministro.
A divulgação das imagens, lembrando o passado de Adelino, constrangeu Costa, candidato mais cotado para vencer o pleito. Logo o político tratou de dizer que não conhecia o ex-vice-cônsul, justificando que recebeu cumprimentos iguais aos de outros simpatizantes. Adelino se manteve altivo:
— Minha popularidade é maior do que a do Cristiano Ronaldo – comentou entre conhecidos.
Questionado sobre o caso, tem agora um nova versão, catastrofista. Fala de si na terceira pessoa:
— Adelino aparecer onde está uma pessoa candidata a primeiro-ministro é o país da morte. Hoje, infelizmente, estar ao pé do Adelino, é quase estar ao pé de alguém que tem lepra. Adelino aparecer onde está uma pessoa candidata a primeiro-ministro é o país da morte. Hoje, infelizmente, estar ao pé do Adelino, é quase estar ao pé de alguém que tem lepra.
Mas o certo é que a fama o envaidece. Não importa se falam bem ou mal dele. No Café Nicola, tirou do bolso o celular, acessou o YouTube e fez questão de mostrar um vídeo com histórias escabrosas sobre ele e dois ex-colegas no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Sob o título "Os ladrões de Portugal", o documentário conta que Adelino, enquanto trabalhou no aeroporto de Lisboa, falseava horas extras suficientes para pagar 10 funcionários mais competentes do que ele. Entre outras barbaridades, sangrava os cofres públicos autorizando despesas com carros, restaurantes e hotéis de luxo para representantes de ex-colônias africanas em visitas a Portugal. Ao final do vídeo, Adelino, com um indisfarçável sorriso no canto da boca, disse que tudo era mentira.
Como foi o golpe
Adelino costuma circular tranquilamente pela praça, onde está localizada uma imagem a Dom Pedro IV (no Brasil, Dom Pedro I). Foto: José Luis Costa
Ao sair do encontro com ZH na Café Nicola, Adelino fez questão de pagar a água mineral que bebeu. Descruzou as pernas e caminhou com peito estufado pelo coração de Lisboa. Passou por um policial a pé e perguntou como é o Presídio Central de Porto Alegre. A resposta foi a pior possível. Ele retrucou:
— Aqui, o Sócrates (José) está em preso em Évora, muito bem instalado. Falo com ele seguidamente pelo telefone, somos amigos.
Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, está preso preventivamente desde novembro, suspeito de envolvimento em um suposto esquema de lavagem de dinheiro, corrupção e de fraude fiscal.
Em seguida, Adelino chegou à elegante Avenida Liberdade, uma espécie de Champs-Élysées em Lisboa. A via de 1,1 quilômetro de extensão, 90 metros de largura, 11 pistas, separadas por dois canteiros ornamentados com árvores e bancos de praça. Abriga o que há de mais chique na cidade. Cinema, bancos e butiques estrangeiras como Prada, Armani, Louis Vuitton, frequentada por brasileiros endinheirados e comerciantes de diamantes angolanos, onde desembolsam o equivalente a R$ 25 mil por um relógio de pulso Bulgari.
Em seguida, Adelino chegou à elegante Avenida Liberdade, uma espécie de Champs-Élysées em Lisboa. A via de 1,1 quilômetro de extensão, 90 metros de largura, 11 pistas, separadas por dois canteiros ornamentados com árvores e bancos de praça. Abriga o que há de mais chique na cidade. Cinema, bancos e butiques estrangeiras como Prada, Armani, Louis Vuitton, frequentada por brasileiros endinheirados e comerciantes de diamantes angolanos, onde desembolsam o equivalente a R$ 25 mil por um relógio de pulso Bulgari.
O ex-vice-cônsul se despede da reportagem de ZH em frente ao hotel NH Liberdade. Foto: José Luis Costa.
Adelino se despediu da reportagem em frente ao Hotel NH – uma das 400 filiais da rede espanhola –, anexo ao luxuoso prédio da Gucci. E revelou uma nova versão sobre sua condição financeira e da sua moradia:
— Quem me ajuda é uma condessa da Itália. Às vezes ela aparece aqui com o Berlusconi (Silvio Berlusconi, ex-primeiro ministro italiano). Moro aqui no oitavo andar.
É mais uma das bravatas de Adelino. Uma placa na portaria do prédio da Gucci mostrava que o edifício tem sete pavimentos, todos de escritórios. Questionado sobre o "engano" ele respondeu sem pestanejar:
— Ah, é que tem um quarto no piso superior – desconversou, antes de sumir pela calçada da Liberdade.
Adelino tinha aceitado um novo encontro com ZH para a tarde seguinte, mas não apareceu. E, por telefone, lançou outras das suas:
— Mandei uma carta para o Papa, pedindo ajuda para encerrar este caso. Querem que eu volte para Moçambique e me candidate a presidente da república.
Quem vai acreditar?
No Brasil, ele poderia estar preso e condenado a 17 anos de prisão por estelionato, coação e corrupção de testemunha. Mas, em Lisboa, para onde fugiu há quatro anos, o ex-vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre Adelino D'Assunção Nobre de Melo Vera Cruz Pinto, 52 anos, não corre esse risco. Protegido por regras diplomáticas em sua pátria, goza do prazeres que o dinheiro propicia a um bon vivant na Europa.
ZH localizou o foragido em Portugal e conta como é a vida dele por lá.
ZH localiza em Portugal o ex-vice-cônsul Adelino Pinto, acusado de ter dado um golpe de R$ 2,5 milhões na Arquidiocese de Porto Alegre.
No Brasil, ele poderia estar preso e condenado a 17 anos de prisão por estelionato, coação e corrupção de testemunha.
Mas, em Lisboa, para onde fugiu há quatro anos, o ex-vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre Adelino D'Assunção Nobre de Melo Vera Cruz Pinto, 52 anos, não corre esse risco. Protegido por regras diplomáticas em sua pátria, goza do prazeres que o dinheiro propicia a um bon vivant na Europa.
Sem um pingo de constrangimento de ser reconhecido, mesmo com nome e fotografia na lista vermelha de procurados pela Interpol, Adelino, demitido por justa causa após o desvio de R$ 2,5 milhões da Arquidiocese da Igreja Católica em Porto Alegre, "bate ponto" todas as tardes, perto das 16h, no tradicional Café Nicola, há mais de dois séculos um ícone da cultura lusitana e uma das principais atrações turísticas no centro da capital portuguesa.
Sem um pingo de constrangimento de ser reconhecido, mesmo com nome e fotografia na lista vermelha de procurados pela Interpol, Adelino, demitido por justa causa após o desvio de R$ 2,5 milhões da Arquidiocese da Igreja Católica em Porto Alegre, "bate ponto" todas as tardes, perto das 16h, no tradicional Café Nicola, há mais de dois séculos um ícone da cultura lusitana e uma das principais atrações turísticas no centro da capital portuguesa.
Foragido, Adelino Pinto figura na lista de procurados pela polícia internacional (Interpol) - Foto Reprodução
O ex-vice-cônsul ocupa uma mesa no meio do salão, próxima da estátua do poeta arcadista Manuel du Bocage, cliente ilustre do Nicola nos remotos anos de 1790. Adelino bebe suco e água mineral e navega na internet pelo celular. Permanece ali por uma hora. Tem vezes em que aparece com uma loira cinquentona, e os dois ficam para jantar ou ouvir fado.
O café exala charme histórico e um certo ar de liberdade. Está localizado em frente à praça em homenagem a Dom Pedro IV, herói que salvou os portugueses da tirania do irmão. No Brasil, o personagem é conhecido como Dom Pedro I, aquele que gritou Independência ou Morte. Foi neste cenário que Zero Hora localizou o fugitivo da Justiça gaúcha às 17h40min do sábado, 7 de março. Desconfiado, nos primeiros momentos corria os olhos a todo instante na direção da porta do Café Nicola. Temia uma armadilha. Depois, descontraiu. Até sorriu quando lembrou de uma namorada que abandonou em Porto Alegre.
Foi neste cenário que Zero Hora localizou o fugitivo da justiça gaúcha às 17h40min do sábado, 7 de março.
Desconfiado, nos primeiros momentos, corria os olhos a todo instante na direção da porta do Café Nicola. Temia uma armadilha. Depois, descontraiu. Até sorriu quando lembrou de uma namorada que abandonou em Porto Alegre.
ZH conversou com o ex-cônsul português no Café Nicola, um dos mais tradicionais, no centro de Lisboa. Foto José Luis Costa
Amor e romances de cabeceira
Adelino costuma se sentar a uma mesa no meio do salão, próxima da estátua do poeta arcadista Manuel du Bocage. Foto: José Luis Costa
Adelino chegou ao Café Nicola vestindo roupas de grifes hispânicas – calça jeans da estilista venezuelana Carolina Herrera e camisa social do costureiro espanhol Pedro del Hierro.
— Sempre usei roupas de marca. Já tive 150 camisas sociais e 350 pares de meias, todas bordadas com as iniciais AP (Adelino Pinto) – gabou-se.
Grande parte do figurino ele perdeu – centenas de camisas e de gravatas, 18 ternos e 15 pares de sapatos novos – quando escapou, às pressas, de Porto Alegre só com a roupa do corpo. As vestes ficaram em um apartamento de três quartos na Rua Miguel Tostes, bairro Moinhos de Vento, onde viveu por quatro meses. Tinha pago R$ 25 mil de aluguel adiantado por um ano, mas não com o seu dinheiro.
O apartamento em Porto Alegre
Adelino não esconde o gosto pelo que é caro e por frequentar ambientes refinados. Além do Nicola, é freguês da pastelaria Garrett, no badalado balneário de Cascais, e cliente do El Corte Inglês, um megashopping de origem espanhola chamado pelos lisboetas de armazém, especializado em artigos de luxo.
No ano passado, o ex-vice-cônsul era todo sorrisos ao lado de uma loira no camarote do torneio internacional de tênis, em Estoril, competição da Associação de Tenistas Profissionais.
Adelino conta que nunca mais saiu do país. Não tem carro no nome dele e diz usar "transporte público, "porque a linha de metrô é muito boa". É difícil acreditar nele, porque só é visto andando de táxi. No caso dos trens, é a pura verdade.
Adelino perdeu o emprego, mas não a pose. Quando era assessor especial do protocolo do governo português passava dias inteiros na sala VIP do aeroporto de Lisboa, recepcionando autoridades estrangeiras.
Dali, por várias vezes partiu em viagens oficiais pelos quatro cantos da Europa. Mas, agora, sabe que, se botar os pés além da fronteira, será preso e extraditado para o Brasil.
Mesmo sem ter o que fazer, segue o hábito de zanzar pelas áreas de embarque. Meses atrás vibrava, assistindo a um jogo do Benfica em uma cafeteria.
— Como uma pessoa vive assim, todo esse tempo, sem trabalhar? Só pode ter muito dinheiro – comenta um conhecido, ex-funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Adelino jura que não ficou com um centavo sequer dos R$ 2,5 milhões da arquidiocese. Alega também ser uma vítima e que o dinheiro foi parar na conta de Teresa Falcão e Cunha, uma misteriosa mulher que ninguém sabe quem é, diretora de uma ONG da Bélgica que nem ele sabe se existe.
O ex-vice-cônsul diz sobreviver de bicos e morar de favor em uma peça. Não declara imposto de renda desde 2011, quando foi demitido por justa causa e, possivelmente, não aplicou a bolada em instituições financeiras oficiais. Entre 2013 e 2014, movimentou apenas o equivalente a R$ 24 mil em dois bancos.
O dinheiro da Igreja Católica pode ter ido parar nos cassinos portugueses, como o Estoril. Foto: José Luis Costa
Embora negue, Adelino é fascinado por jogatina, e é possível que parte do dinheiro dos padres gaúchos rodopiou por roletas ou se embaralhou em carteados nos suntuosos cassinos de Lisboa e de Estoril, onde veículos Ferrari e Mercedes congestionam os estacionamentos. Os euros vão parar no bolso do império de Stanley Ho, um magnata do jogo de Macau, ex-colônia portuguesa na Ásia. No apartamento do ex-vice-cônsul, em Porto Alegre, a polícia encontrou 280 bilhetes de Megasena, Lotomania, Loteria Federal e de jogo do bicho.
A gênese do golpe
Adelino é considerado a ovelha desgarrada da família. Um tio, já falecido, foi testemunha de acusação contra ele em um processo judicial. Um primo, professor universitário, não pode nem ouvir falar em seu nome. Procurado por telefone por ZH, o professor cortou o assunto de imediato e não atendeu mais aos chamados.
Natural de Moçambique, Adelino é o quarto de uma família de sete filhos de uma dona de casa e de um bancário que migraram para Portugal, em 1977, fugindo da guerra civil. A família se instalou em um modesto apartamento na Rua Dom João de Castro, em Almada, uma comunidade dormitório na Grande Lisboa, na margem oposta do Rio Tejo.
Ali, vivem parentes do ex-vice-cônsul até hoje. É a moradia de Adelino registrada nos documentos da Justiça brasileira, mas ele raramente aparece lá.
— Sabemos pouco dele. É uma pessoa distante – garantiu um dos irmãos.
No térreo do prédio funciona o acanhado restaurante O Chico, frequentado esporadicamente pela família. Mas Adelino nunca pisou lá, um lucal humilde demais para o nível do ex-vice-cônsul.
— Ele é narcisista – completa o irmão.
Adelino tem outros dois endereços, mas vizinhos não lembram de vê-lo. Um deles fica na Rua João da Silva Vitoriano, em Póvoa de Santa Iria, também na periferia da Capital, onde vivem os dois filhos dele e a ex-companheira Maria da Anunciação Cabral Figueiredo. A mulher não atendeu ZH. Por telefone, identificou-se como Maria do Carmo. Disse que Maria Anunciação era a irmã dela e morava na França havia anos. Não é o que parece. Anunciação foi nomeada inspetora de jogos do Instituto do Turismo de Portugal, conforme o Diário da República de 3 de junho de 2014.
No cadastro do Ministério das Finanças, Adelino consta como morador de uma pensão no terceiro andar da Rua Ivens, na região do Chiado, centro de Lisboa. No último piso do velho prédio, possivelmente construído há mais de 200 anos, chove intimações para o ex-vice-cônsul. Todas são devolvidas, porque ninguém o conhece.
O ex-vice-cônsul consta como morador de uma pensão no terceiro andar da Rua Ivens, na região do Chiado, centro de Lisboa I
Adelino tem ainda uma propriedade de férias, em uma área de terra de 2,4 mil metros quadrados, em Penalva do Castelo, localidade rural perto de Viseu, no norte do país. Em 2009, quando já era processado pelo golpe na ex-noiva de Cascais, ele transferiu a posse do imóvel para Maria Anunciação, mãe de seus filhos. Sobre a família, é curto e grosso:
— Não falo.
O ex-vice-cônsul demonstra ansiedade em aparecer, ser uma figura pública conhecida. Em setembro foi flagrado por fotógrafos e cinegrafistas abraçado a António Costa. Era uma comemoração do atual presidente da Câmara de Lisboa (similar a prefeito), escolhido líder do Partido Socialista, representante da sigla nas eleições deste ano para primeiro-ministro.
A divulgação das imagens, lembrando o passado de Adelino, constrangeu Costa, candidato mais cotado para vencer o pleito. Logo o político tratou de dizer que não conhecia o ex-vice-cônsul, justificando que recebeu cumprimentos iguais aos de outros simpatizantes. Adelino se manteve altivo:
— Minha popularidade é maior do que a do Cristiano Ronaldo – comentou entre conhecidos.
Questionado sobre o caso, tem agora um nova versão, catastrofista. Fala de si na terceira pessoa:
— Adelino aparecer onde está uma pessoa candidata a primeiro-ministro é o país da morte. Hoje, infelizmente, estar ao pé do Adelino, é quase estar ao pé de alguém que tem lepra. Adelino aparecer onde está uma pessoa candidata a primeiro-ministro é o país da morte. Hoje, infelizmente, estar ao pé do Adelino, é quase estar ao pé de alguém que tem lepra.
Mas o certo é que a fama o envaidece. Não importa se falam bem ou mal dele. No Café Nicola, tirou do bolso o celular, acessou o YouTube e fez questão de mostrar um vídeo com histórias escabrosas sobre ele e dois ex-colegas no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Sob o título "Os ladrões de Portugal", o documentário conta que Adelino, enquanto trabalhou no aeroporto de Lisboa, falseava horas extras suficientes para pagar 10 funcionários mais competentes do que ele. Entre outras barbaridades, sangrava os cofres públicos autorizando despesas com carros, restaurantes e hotéis de luxo para representantes de ex-colônias africanas em visitas a Portugal. Ao final do vídeo, Adelino, com um indisfarçável sorriso no canto da boca, disse que tudo era mentira.
Como foi o golpe
Adelino costuma circular tranquilamente pela praça, onde está localizada uma imagem a Dom Pedro IV (no Brasil, Dom Pedro I). Foto: José Luis Costa
Ao sair do encontro com ZH na Café Nicola, Adelino fez questão de pagar a água mineral que bebeu. Descruzou as pernas e caminhou com peito estufado pelo coração de Lisboa. Passou por um policial a pé e perguntou como é o Presídio Central de Porto Alegre. A resposta foi a pior possível. Ele retrucou:
— Aqui, o Sócrates (José) está em preso em Évora, muito bem instalado. Falo com ele seguidamente pelo telefone, somos amigos.
Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, está preso preventivamente desde novembro, suspeito de envolvimento em um suposto esquema de lavagem de dinheiro, corrupção e de fraude fiscal.
Em seguida, Adelino chegou à elegante Avenida Liberdade, uma espécie de Champs-Élysées em Lisboa. A via de 1,1 quilômetro de extensão, 90 metros de largura, 11 pistas, separadas por dois canteiros ornamentados com árvores e bancos de praça. Abriga o que há de mais chique na cidade. Cinema, bancos e butiques estrangeiras como Prada, Armani, Louis Vuitton, frequentada por brasileiros endinheirados e comerciantes de diamantes angolanos, onde desembolsam o equivalente a R$ 25 mil por um relógio de pulso Bulgari.
Em seguida, Adelino chegou à elegante Avenida Liberdade, uma espécie de Champs-Élysées em Lisboa. A via de 1,1 quilômetro de extensão, 90 metros de largura, 11 pistas, separadas por dois canteiros ornamentados com árvores e bancos de praça. Abriga o que há de mais chique na cidade. Cinema, bancos e butiques estrangeiras como Prada, Armani, Louis Vuitton, frequentada por brasileiros endinheirados e comerciantes de diamantes angolanos, onde desembolsam o equivalente a R$ 25 mil por um relógio de pulso Bulgari.
O ex-vice-cônsul se despede da reportagem de ZH em frente ao hotel NH Liberdade. Foto: José Luis Costa.
Adelino se despediu da reportagem em frente ao Hotel NH – uma das 400 filiais da rede espanhola –, anexo ao luxuoso prédio da Gucci. E revelou uma nova versão sobre sua condição financeira e da sua moradia:
— Quem me ajuda é uma condessa da Itália. Às vezes ela aparece aqui com o Berlusconi (Silvio Berlusconi, ex-primeiro ministro italiano). Moro aqui no oitavo andar.
É mais uma das bravatas de Adelino. Uma placa na portaria do prédio da Gucci mostrava que o edifício tem sete pavimentos, todos de escritórios. Questionado sobre o "engano" ele respondeu sem pestanejar:
— Ah, é que tem um quarto no piso superior – desconversou, antes de sumir pela calçada da Liberdade.
Adelino tinha aceitado um novo encontro com ZH para a tarde seguinte, mas não apareceu. E, por telefone, lançou outras das suas:
— Mandei uma carta para o Papa, pedindo ajuda para encerrar este caso. Querem que eu volte para Moçambique e me candidate a presidente da república.
Quem vai acreditar?
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