terça-feira, 10 de junho de 2014

Livro: Maradona: sexo, droga e traição no doping

Livro traz sexo, droga e traição no doping de Maradona

Recém-lançada em Buenos Aires, obra de 320 páginas esgota primeira edição ao detalhar horas prévias do 'dia em que cortaram as pernas de Diego'

Tales Torraga
Na partida contra a Nigéria, Maradona sai acompanhado de uma enfermeira para realização do teste anti-doping
Na partida contra a Nigéria, Maradona sai acompanhado de uma enfermeira para realização do teste anti-doping (Joe Cavaretta/AP)
Em tom de ironia, Maradona insinou que faria sexo com a enfermeira que o levava ao antidoping – só não contava que a americana, casada com um argentino, entenderia tudo 
Bebeto e Romário, Parreira e Zagallo. Contar a Copa de 1994 no Brasil quase sempre significa enaltecer uma dessas duplas. A versão argentina daquele Mundial também é resumida em duo, mas um muito mais melancólico: Diego Maradona e Sue Carpenter, a enfermeira que levou o astro ao exame antidoping que o tirou daquela Copa.

A perplexidade dos argentinos com o caso é sentida até hoje, como mostra o sucesso do livro O último Maradona – quando cortaram as pernas de Diego (leia trecho abaixo). Lançado em maio em Buenos Aires, sua primeira impressão foi esgotada em semanas. Escrito pelos jornalistas Alejandro Wall e Andrés Burgos, a obra de 320 páginas da editora Aguilar investiga as muitas teorias conspiratórias sobre o assunto, mas deixa em aberto o que realmente houve entre Maradona, a AFA (Associação de Futebol Argentina) e a Fifa.

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Se não fecha questão sobre o polêmico doping por efedrina no jogo contra a Nigéria, o livro seduz pela tradicional picardia argentina. Entre os momentos mais curiosos está o diálogo entre o técnico Alfio Basile e o assistente Rubén Díaz ao informá-lo sobre o doping (“Deu positivo”, falou Basile. “Quem?”, seguiu Diaz. “E quem poderia ser, idiota?”).

Outro destaque é a ironia de Maradona com a enfermeira que lhe cercou. Gritando em espanhol à sua mulher, que estava nas tribunas do estádio, Maradona apontava para Sue Carpenter dizendo que faria sexo com ela – mas não contava que a enfermeira americana, casada com um argentino, entendia tudo.

Chama atenção também a defesa do preparador de Maradona naquela Copa, o autodidata fisiculturista Daniel Cerrini, de 27 anos: “Se a Fifa deixou a Argentina dar água com tranquilizante ao Branco, como vão tirar Diego desta Copa?”, relembrou, citando quando os argentinos doparam o lateral brasileiro no Mundial de 1990.

O dia em que conhecemos a efedrina

A outra imagem do doping de Maradona no Mundial dos Estados Unidos é um balbucio frente à câmera, este fio de voz que se desgarra - e desgarra milhões - quando lança suas palavras mais dolorosas: "Me cortaram as pernas". Um epitáfio à altura do homem das grandes frases.
À margem dos feitos trágicos que custaram vidas - como os 71 asfixiados na Porta 12 do Monumental, o 23 de junho de 1968 depois de um River-Boca, ou cada uma das centenas de vítimas da violência -, a quinta-feira 30 de junho de 1994 foi a jornada mais triste do futebol argentino. O anúncio da expulsão de Maradona do Mundial se seguiu na televisão como o final de uma série e se chorou nas ruas como a morte de um personagem célebre.
Em um esporte em que a identificação entre os torcedores e os clubes avançou nos últimos anos até chegar a uma relação simbiótica, muitos elegeriam uma final perdida ou o rebaixamento de sua equipe como o primeiro que evitariam se pudessem voltar no tempo. Porém, em nível nacional, o futebol não nos entregou um duelo coletivo superior ao dia em que conhecemos a efedrina. A atmosfera de tragédia foi maior que qualquer eliminação em um Mundial. As derrotas na primeira fase ou nas quartas-de-final produziram uma reação clássica: os xingamentos aos jogadores e técnicos. O Mundial dos Estados Unidos gerou a solidariedade com o totem em desgraça e massificou um estado de depressão. A Argentina somatizou os males de seu fabricante de felicidade.
Sua desdita foi a nossa.
Uma frente de desolação cobriu o país.
No dia seguinte em que Maradona foi excluído do Mundial, o diário “Página 12” titulou com a única palavra usada por outro diário, “Notícias”, 20 anos atrás, na morte de Juan Domingo Perón: Dor.
Entre a terça 28 e a quinta 30 de junho de 1994, as 48 horas que aniquilaram a carreira de Maradona nas cidades de Boston, Dallas e Los Angeles começaram um deserto de títulos para a seleção. Nos 20 anos anteriores, a Argentina ganhou dois Mundiais e duas Copas América.
Nos 20 anos seguintes, nada.
Foram os dias em que deixamos de ganhar.

Os titereiros das leis do futebol

Há Mundiais que se decidem nos gramados. O de 1994 também se decidiu em uma disputa de poder entre João Havelange e Joseph Blatter, então presidente e secretário geral da Fifa, e Júlio Grondona, presidente da AFA e vice da Fifa.
Os autênticos donos do Mundial.
O futebol é política. Um de nossos entrevistados sorriu quando nos recordou que nos regulamentos da AFA há leis que podem se interpretar de duas maneiras antagônicas, ante a qual a eleição final dependerá da conveniência  de turno. Outra testemunha direta do doping refletiu:
- Para mim Blatter se equivocou, não entendo ainda como não o encobriu.
Não foi uma frase induzida com viés argentino, mas a interpretação de alguém que conhece como se cozinha o futebol, um submundo independente inclusive do Poder Judiciário. A Fifa deixa claro: país que recorre aos tribunais, país que fica sem Mundial.
O doping de Maradona foi sempre um quebra-cabeça dispersado em crônicas, comentários da época e a construção da nossa memória. O escritor espanhol Javier Cercas diz que muitas vezes antepomos nossas lembranças ao que realmente aconteceu. Ao recolher cada peça e encontrar outras que até agora permaneciam escondidas, fica exposta a catarata de mentiras e desculpas que saíram de todas as partes. Caem-se os mitos e se revelam as obscuridades.
Por que não houve controle antidoping na repescagem contra a Austrália? Quais pessoas entraram para revisar a concentração da Argentina em Boston no dia anterior à partida contra a Nigéria? Foi feito em Maradona um controle preventivo antes do Mundial? Era habitual que uma enfermeira buscaria os jogadores no meio do campo? Como surgiu o pretexto das gotas nasais para explicar o doping? Como chegou a efedrina à urina de Maradona? Houve só efedrina? O que ocorreu durante a reunião da contraprova em Los Angeles? A efedrina tapava outros compostos? Por que a AFA decidiu retirar o jogador? Qual foi a ameaça da Fifa? Que rol jogou o governo dos Estados Unidos? Por que a Fifa não outorgou a Maradona o direito a uma legítima defesa? Existiu uma promessa de proteção que se quebrou? A Fifa traiu Diego?
Outro dos entrevistados nos disse desde as entranhas da Fifa que ainda ninguém contou a verdade sobre o que passou com Maradona. Que algum dia se saberá, alguém o dirá, porém esse não era o momento. O dirigente se fez de misterioso. E avançou com a intriga.
- Na caixa forte de sua casa, Julio Grondona guarda uma carta do governo dos Estados Unidos pedindo que retirem Maradona do Mundial. Averiguem.

Cantes por mim, Argentina

A transcendência de Diego Maradona na sociedade argentina é vista também na música. Os dramas de sua conturbada vida renderam canções que são sucesso no país vizinho até hoje

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"Maradona", Andrés Calamaro

Gravada em 1999, a música celebra a amizade entre o roqueiro e o ex-jogador: "Maradona não é uma pessoa qualquer / É um homem apegado a uma bola de couro / Tem o dom celestial / De tratar muito bem a bola / É um guerreiro / É um anjo e se veem as asas ferias / É a bíblia junto ao aquecedor". (Veja)


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