quarta-feira, 7 de maio de 2014

Inquérito deve apontar quatro contradições na versão do pai

Inquérito deve apontar quatro contradições na versão do pai

ZH teve acesso ao documento, cuja previsão de conclusão é uma semana

Inquérito deve apontar quatro contradições na versão do pai Carlos Macedo/Agencia RBS
Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS
Preso desde 14 de abril por suspeita de participar da morte do filho Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, o médico Leandro Boldrini, 38 anos, deve ser incriminado com base em pelo menos quatro contradições levantadas pela Polícia Civil após uma série de depoimentos e recolhimento de provas materiais. Ao todo, foram ouvidas mais de cem pessoas e há perícias técnicas prontas. Zero Hora teve acesso ao inquérito, que tem previsão de ser finalizado e enviado ao Ministério Público em uma semana, e mostra com o que os policiais trabalham para incriminar o médico, recolhido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), na Região Metropolitana.
Nesta terça-feira, o Tribunal de Justiça negou o pedido de habeas corpusimpetrado em favor de Leandro. No entendimento do desembargador Nereu José Giacomolli, da 3ª Câmara Criminal, não há como serem afastadas as razões de autoria ou participação do médico no crime. A defesa do suspeito sustentou que as outras investigadas no caso — Graciele Ugulini e Edelvânia Wirganovicz — o inocentaram. Alegou, ainda, que não há elementos necessários para que seja mantida a prisão temporária.
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Pai presente
Quando procurou a Polícia Civil para comunicar o desaparecimento de Bernardo, em 7 de abril, Leandro Boldrini disse que era a primeira vez que o menino saía de casa e não retornava no dia certo. No entanto, com base nos depoimentos que compõem o inquérito, a Polícia concluiu que:
"Restou mais que provado que Leandro era um pai omisso, que nunca ligava ou averiguava onde o menino estava, e não se importava se ele passasse dois, três, cinco, dez ou 15 dias fora de casa".
Segundo Leandro, em 4 de abril, quando o garoto foi visto pela última vez, estaria indo dormir na casa de um amigo, a duas quadras de distância da residência do médico. Bernardo voltaria no domingo, de acordo com o que Leandro afirmara a Polícia. No mesmo dia, o menino foi levado pela madrasta, Graciele Ugulini, e pela assistente social Edelvânia Wirganovicz a Frederico Westphalen, cidade localizada a 80 quilômetros de Três Passos, onde foi assassinado com uma injeção letal. A armadilha usada pelas duas foi a compra de uma TV em promoção, como admitiu Edelvânia à polícia.
Pai preocupado
Em depoimento no dia 10 de abril, quatro dias antes do corpo de Bernardo ser encontrado enterrado em uma cova às margens de um rio em Frederico Westphalen, Leandro Boldrini disse à polícia que tentou contato telefônico com o filho diversas vezes desde sábado — 5 de abril, um dia após o sumiço do garoto —, mas não conseguiu. Ele alegou que o menino não tinha o costume de deixar o celular desligado. Além disso, o médico enviou uma mensagem para a dentista do filho, no domingo (6 de abril), sendo que jamais teria se preocupado com o assunto antes.
"Leandro afirmou que ligou para Bernardo sexta-feira (4), sábado (5) e domingo (6), a fim de saber onde o menino estava. Ocorre que ele nunca fez isso, nunca se preocupou com o filho. Leandro Boldrini disse para Lori e para Simone que Bernardo havia deixado o telefone em casa. Por que, então, passou o final de semana todo ligando para o celular do menino? Este fato foi confirmado pelo extrato das ligações telefônicas, o que nos causou estranheza. (...) Leandro não se preocupava com os problemas ortodônticos do filho, tendo pedido à dentista que colocasse algo que ele pudesse se virar sozinho, sem a ajuda dele e de Keli. Ainda, Leandro estranhamente mandou uma mensagem, no domingo, mostrando uma preocupação sabidamente inexistente", questiona o inquérito.
Lar feliz
Quando foram interrogados pela Polícia Civil, Leandro Boldrini e Graciele Ugulini falaram aos agentes que não havia conflitos entre eles e Bernardo, mas diversos relatos de moradores de Três Passos mostraram que a realidade era outra e que era comum o menino procurar outras famílias para ser acolhido. Uma ex-babá dele chegou a relatar uma tentativa de asfixia feita pela madrasta, em 2012, que foi denunciada ao Ministério Público. Em 16 de abril, dois dias após o corpo do garoto ser encontrado, Boldrini admitiu que Keli, como era conhecida a madrasta de Bernardo, odiava o menino:
"O interrogado diz que ela tinha ódio do 'guri', e esclareceu que esse ódio se manifestava nos 'arranca' que dava entre os dois, eis que o Bernardo não aceitava 'não'. Que Keli, enquanto estava sozinha com o interrogado, se referia ao Bernardo dizendo que 'ele era uma semente do mal'. Perguntado se o Conselho Tutelar ou a Brigada Militar estiveram na sua casa, respondeu que o Conselho Tutelar esteve no seu consultório por duas ocasiões. E na metade do ano passado a BM esteve na sua residência por volta de 20h, 21h, eis que o Bernardo tinha ido até a janela da frente da casa e gritado por várias vezes por socorro. Na ocasião, o interrogado havia repreendido mais rispidamente, inclusive fazendo uso de um chinelo e batido na bunda de Bernardo. (...) Bernardo era chamado de demônio pela Keli. Ela declarava a todos que o menino era um estorvo para a vida deles. (...) Coleguinhas de aula do Bernardo relataram que ele tinha um código de convivência com Keli, qual seja, de não se falarem", detalha o inquérito, que conclui: "Leandro e Keli afirmaram que não havia desentendimentos deles com o menino Bernardo, contrariando muitos depoimentos de testemunhas, que acompanhavam a situação do menor."
Semana anterior à morte foi tranquila
Em seu depoimento, Leandro afirmou que nos dias anteriores à morte de Bernardo, nada de errado aconteceu na casa. Segundo ele, o clima na família era bom. A compra da TV, em Frederico Westphalen, e de um aquário — desejo do garoto —, eram as provas disso. O médico relatou que estava otimista com uma mudança de relacionamento entre o filho e a madrasta.
"Leandro disse que a semana anterior ao desaparecimento do Bernardo foi tranquila, sem desentendimento. Ocorre que Bernardo, ao que parece, nunca teve uma semana tranquila em sua vida", contrapõe o inquérito.
Madrasta queria "dar um fim na situação"
Além das contradições de Leandro, dois elementos do inquérito chamam a atenção. Um deles é o depoimento do médico de Três Passos José Roberto Sartor, amigo de Leandro, que disse que "na manhã de segunda-feira, 7 de abril, Leandro esteve no Hospital de Caridade e teria entrado 'cantando' no bloco cirúrgico, aparentando estar feliz". Neste mesmo dia, Boldrini procurou a polícia para comunicar o sumiço de Bernardo.
O outro é que, de acordo com a Polícia Civil, "Keli disse que ia dar um fim naquela situação, se referindo à situação familiar em relação a Bernardo, dizendo que gente para fazer isso é o que mais tinha".
Zero Hora entrou em contato com a delegada de Três Passos, Caroline Bamberg, que preferiu não se manifestar. Ela não definiu que dia o inquérito estará concluído.
Relembre o caso

Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, uma sexta-feira, em Três Passos, município do Noroeste. De acordo com o pai, o médico cirurgião Leandro Boldrini, 38 anos, ele teria ido à tarde para a cidade de Frederico Westphalen com a madrasta, Graciele Ugulini, 36 anos, para comprar uma TV.

De volta a Três Passos, o menino teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Como no domingo ele não retornou, o pai acionou a polícia.Boldrini chegou a contatar uma rádio local para anunciar o desaparecimento. Cartazes com fotos de Bernardo foram espalhados pela cidade, por Santa Maria e Passo Fundo.
Na noite de segunda-feira, dia 14, o corpo do menino foi encontrado no interior de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico e enterrado às margens do Rio Mico, na localidade de Linha São Francisco, interior do município.
Segundo a Polícia Civil, Bernardo foi dopado antes de ser morto com uma injeção letal no dia 4. Seu corpo foi velado em Santa Maria e sepultado na mesma cidade. No dia 14, foram presos o médico Leandro Boldrini — que tem uma clínica particular em Três Passos e atua no hospital do município —, a madrasta e uma terceira pessoa, identificada como Edelvânia Wirganovicz, 40 anos, que colaborou com a identificação do corpo. (ZH = ClicRBS)

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