terça-feira, 6 de maio de 2014

Como um boato virtual resultou na morte de uma mulher em Guarujá

Como um boato virtual resultou na morte de uma mulher em Guarujá

Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, teria sido confundida com retrato falado de suposta sequestradora de crianças

Como um boato virtual resultou na morte de uma mulher em Guarujá Reprodução/Reprodução
Vídeo da mulher sendo espancada em comunidade de Guarujá está sendo divulgado na internetFoto: Reprodução / Reprodução
"Mataram a mulher", diz um dos espectadores do linchamento de Fabiane Maria de Jesus, 33 anos. Naquele momento, a dona de casa ainda estava viva — mas, na segunda-feira, a profecia se concretizou. A mulher teve a vida arrancada após ser confundida com o retrato falado de uma sequestradora de crianças para rituais de magia negra, que teria sido divulgado em uma página do Facebook, oGuarujá Alerta. Ainda em choque com a notícia que ganhou repercussão nacional, familiares e autoridades tentam entender: como um boato virtual se transformou em uma tragédia da vida real?

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Para Alex Primo, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o problema mora na rapidez imposta pelas redes sociais, onde nada é conferido e tudo é compartilhado.

— Como a velocidade acaba sendo uma moeda e tendo um valor econômico nesse meio, quanto mais se compartilha, mais você se torna uma referência, e as pessoas acabam confiando demais em tudo aquilo que é compartilhado. O que acontece é que, quando um boato é compartilhado muitas vezes, ele ganha a máxima de verdade. Assim como diz o ditado: uma mentira contada mil vezes se torna verdade — avalia Primo.

Conforme informações da GloboNews, o retrato falado atribuído a Fabiane havia sido feito por policiais em agosto de 2012, quando uma mulher foi acusada de tentar roubar um bebê na zona norte do Rio de Janeiro. A crença na veracidade do fato, segundo o professor da UFRGS, está ancorada no autor da divulgação da informação. Assim, um jornal ou uma página reconhecida pelos moradores da região ganha ainda mais credibilidade.

— A página já tinha uma credibilidade porque ela é abastecida pelos próprios moradores. O risco disso é o rumor ter consequências reais, e o plano do virtual se tornar real. A informação acaba tendo consequências fortes e rápidas com a velocidade imposta pelo dia a dia, que leva as pessoas a tomarem atitudes irracionais e adotar comportamentos selvagens — diz Primo.

Rodrigo de Azevedo, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e coordenador do Programa de Pós-gradução em Ciências Sociais da universidade, ressalta que a prática de linchamento não chega a ser uma novidade no Brasil. Neste caso, o fato novo está na contribuição das redes sociais no conflito:

— A desconfiança das pessoas com o Estado tem aumentado em função da incapacidade do próprio Estado de resolver problemas que são históricos, desde a baixa taxa de apuração de crimes até uma insatisfação mais generalizada com os órgãos de polícia. Esse sentimento acirra os ânimos por produzir o anseio por justiça e a sensação de impunidade. O elemento extra nesse caso é a internet. As redes sociais ampliam a disseminação de boatos, que antes ficavam isolados, e as pessoas acabam se revoltando por situações que nem sempre correspondem à verdade.

 
Corpo de Fabiane foi enterrado nesta terça-feira
Foto: Arquivo pessoal

O corpo de Fabiane foi enterrado na manhã desta terça-feira em um cemitério do bairro Morrinhos — onde a mulher morava e, também, o local da sua morte. Em entrevista à Agência Brasil, o advogado da família, Airton Sinto, disse que a tragédia deve gerar o debate sobre punições mais severas para quem contribuir para atos criminosos por meio do uso da internet.

— Fabiane morreu em virtude, principalmente, da leviandade do administrador da página (Guarujá Alerta) que disseminou falsos boatos e alarmou toda a comunidade de Morrinhos. É necessário aprovar legislação específica para casos de utilização da rede social de forma irresponsável que causem dano efetivo à integridade física ou à vida de alguém — disse Sinto.

Alex Primo alerta que, de acordo com o marco civil da internet, aprovado em abril pela presidente Dilma Rousseff, a pessoa que se sentiu lesada pode processar o autor da mensagem, mas não o meio (no caso, o Facebook). Está marcado para a tarde desta terça-feira o depoimento do responsável pelo Guarujá Alerta à Polícia Civil do 1º Distrito Policial do município. Ontem, o administrador da página postou: "Em breve enviaremos uma nota aos seguidores. Por ora, estamos colaborando com as investigações. Sendo assim, não nos manifestaremos sobre esse assunto para não atrapalharmos o trabalho da polícia". No dia 3 de maio, a página informou que havia recebido fotos de uma mulher morta que se trataria da suposta sequestradora de crianças. Pouco tempo depois, divulgou: "Em nenhum momento nossa equipe publicou foto ou sequer nota afirmando que fosse verídico o fato de uma sequestradora de crianças". ZH Notícias

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